
Arquétipo do Herói
O grande armazém da mitologia mundial foi a fonte para os insights de Jung em relação ao inconsciente coletivo e à prova das hipóteses dele, já que os mitologemas - esses temas comuns que permeiam as lendas e os contos folclóricos das mais diversas culturas - eram visto por Jung como pistas de aspectos permanentes na mitologia, independente da cultura ou do período, é o herói, uma figura tão central para as lendas de quase toda cultura, que, às vezes, é quase como se as lendas heroicas fossem a própria definição de mitologia.
Enquanto a universalidade da figura do herói é certamente interessante sociológica e antropologicamente, Jung pesquisava, como sempre, a importância psicológica dessa figura onipresente no cenário da imaginação do mundo. Ao examinar várias lendas heroicas, consequentemente, Jung se deparou com elementos idênticos na história do herói: seu nascimento divino; sua 'nekyia', ou descida para o submundo; as ações heroicas que ele deve empreender, como batalhas com monstros terríveis ou tarefas perigosas a serem executadas; a presença de companheiros auxiliadores, às vezes masculinos, às vezes femininos, às vezes teriomórficos ( ex. forma animal ); a ideia recorrente de derrota, morte e renascimento.
Jung via nesses temas em comum que o herói poderia ser compreendido como um arquétipo dentro da psique coletiva e, mais ainda, que esse arquétipo era o que mais frequentemente se identificava com a consciência do ego que lentamente emerge na humanidade. A aparência histórica da consciência humana, nossa consciência de estarmos conscientes, tem um toque divino, um 'algo vindo do nada' mágico com grande efeito transformativo, tudo se refletindo na ascendência sobrenatural e no nascimento incomum da figura do herói.
Tornar-se consciente do domínio de escuridão sombria, a região do inconsciente que está por trás do senso luminoso, que temos de nós mesmos, é como a descida do herói ao submundo, uma tarefa inevitável repleta de perigo, que deve ser cumprida para que cresçamos e prosperemos como indivíduos. Manter nossa integridade e nossa autoconsciência é frequentemente uma batalha contra as maiores improbabilidades, envolvendo trabalho pesado que parece requerer esperteza, a ajuda, a sorte e a perseverança de uma figura maior do que a vida. Devido a nossas limitações humanas, essa batalha pela consciência de nós mesmos e dos outros, consciente e inconsciente, geralmente ocorre em círculos que seguem paralelos o ciclo da derrota e recuperação descrito nas lendas heroicas.
Por mais importante que fosse a consciência do eu e por mais bem simbolizado que ela fosse pelo herói arquetípico, Jung, contudo, tinha noção do efeito letal de qualquer identificação que ocorre quando o eu encontra o arquétipo: a inflação psíquica da consciência, que é o resultado do contato com a esfera transpessoal do inconsciente coletivo. Apesar de muitas das ideias de Jung a respeito do herói terem sido desenvolvidas mais extensivamente por seus seguidores, especialmente Erich Neumann e Joseph Campbell, o profundo reconhecimento de Jung do poder e da potencialidade do inconsciente o levaram a suspeitar de qualquer supervalorização da consciência do eu heroico, enxergando a capacidade humana e sua luta pela autoconsciência como apenas uma etapa na evolução da consciência coletiva, uma etapa talvez agora em seu fim e precisando de transformação.
Para Jung, os conceitos clássicos de 'hybris' e de orgulho presunçoso se aplicam tanto à nossa fé contemporânea em nossa habilidade de produzir, agir e conquistar quanto se aplicava na época de Sófocles ou de Homero. Identificar-nos com o herói é flertar com o desastre psicológico e, atualmente, até literalmente.
Ademais, Jung viu que o herói, como uma manifestação do masculino arquetípico, não precisa ser sempre um símbolo de consciência do eu. Para as mulheres, o 'animus', ou o lado masculino inconsciente, geralmente se encaixa no molde arquetípico de uma figura heroica lutando contra a consciência e afetividade, uma luta com toda a tempestuosidade e o estresse de tantos mitos. Similarmente, para os homens, o herói não precisa apenas simbolizar o estado de alerta ou a conquista, mas pode também significar uma separação da mãe, aquela autonomia difícil de ganhar que pode ser uma tarefa heroica e para a vida toda, e da qual a relação verdadeira de um com o outro pode emergir.
A Apresentação mais extensa que Jung fez do arquétipo do herói está em 'Símbolos da Transformação'. Como quase toda a segunda parte dessa obra é dedicada a traçar o desenvolvimento pessoal e coletivo do herói como um símbolo da libido, é recomendada em "Para Começar", apesar de requerer uma boa parecla de raciocínio e estudo. Em "Para Aprofundar" , estão listados escritos que explicam melhor o símbolo arquetípico do herói e o conceito de personalidade-mana, junto com as análises de sonhos e as discussões sobre a figura do herói nos sonhos de americanos negros, que para Jung, tinham uma relação mais íntima com a 'mentalidade primitiva' do que os americanos brancos. Discussões sobre dinâmicas da psicologia geral que esclarecem a posição do herói na psique dos indivíduos modernos estão listadas em "Obras Relacionadas".
Para começar:
- "Símbolos da Transformação", OC 5, parte 2, esp. ca. 4, "O nascimento do herói", 251-299; cap. 5, "Símbolos da mãe e do renascimento", §300-418 e cap. 6, " A luta pela libertação da mãe ", § 419-463.
Para aprofundar:
- " O Eu e o Inconsciente", OC 7/2, esp. parte 2, cap. 3, " A técnica de diferenciação entre o o eu e as figuras do inconsciente", § 341-373, e cap. 4, " A personalidade-mana", § 374-406.
- " Alma e terra", OC 10/3, § 49-103.
- " Fundamentos da psicologia analítica ( Tavistock lectures ), OC 18/1, esp. segunda conferência, §74-144, e terceira conferência, § 145-227.
Obras Relacionadas:
- " Consciência, inconsciente e individuação", OC 9/1, § 489-524.
- " Da formação da personalidade ", OC 17, § 284-323.
Fontes Secundárias:
- " O Herói com Mil Faces " de Joseph Campbell.
- " Além do Herói " de Allan B. Chinen
- " A Lenda do Graal " - Emma Jung e Marie Louise Von Franz
- " História da Origem da Consciência "- Erich Neumann
Para Complementar :
- Box Peter Jackson - Filmes: Trilogia O Senhor dos Anéis
- Explicação Psicológica da "Jornada do Héroi" - Ted Talks
Texto adaptado de Guia para Obra Completa de C.G.Jung - Robert H. Hopcke

